Uma boa saída para o Carf é se tornar um tribunal judicial especial.
22 de julho de 2016, 6h40
Um dos aspectos mais caros à atividade jurisdicional é a imparcialidade.
Ninguém é 100% imparcial, pois todos são influenciados por seus valores e suas
preferências. Espera-se que não haja influência nenhuma dos interesses próprios
do julgador, porém, muitas vezes, isso não acontece.
Não é possível controlar objetivamente a parcialidade de cada julgador,
a menos que ele destoe demais do aceitável e sua atitude, de tão evidente,
possa ser questionada através dos meios legais. É possível, todavia, desarmar
os incentivos para a parcialidade, como a implantação de um bom regramento
institucional.
O modelo atual do Carf, entretanto, traz incentivos à parcialidade. Numa
visão romântica, espera-se que todos os conselheiros sejam imparciais e que
suas experiências apenas deem uma perspectiva a eles que contribua para a heterogeneidade
de conhecimento nos julgamentos.
Numa visão pragmática, historicamente a influência experiencial dos
conselheiros e o fato de estarem vinculados a uma entidade interessada no jogo
pode levá-los a agir com menor imparcialidade, ainda que ninguém lhes peça
isso. Pior ainda, como os conselheiros provavelmente voltarão a atuar como
auditores ou advogados, consultores e contadores, podem se inclinar a decidir
de formas que lhes favoreçam em seu ofício.
A visão romântica crê que o Carf será um resultado de debates com
pessoas de visões técnicas, heterogêneas e imparciais, mas, apesar de isso se
revelar verdadeiro em muitos casos, a pragmática revela também muitos
julgamentos terminando empatados, com todos os representantes da Receita
Federal decidindo num sentido e todos os representantes dos contribuintes no
outro, sendo o resultado final definido pelo voto de qualidade.
O histórico modelo paritário do Carf beneficia muito a Receita Federal.
Não há grande ganho para a sociedade como um todo, nem para as próprias
entidades de contribuintes representadas por conselheiros, pois a voz deles é
reduzida pelo voto de qualidade.
Os contribuintes sonham ainda com uma mudança legal no sentido de que o
voto de qualidade passe a ser em seu favor, mas a chance percentual de isso
acontecer tangencia zero. A União (Receita Federal) tem plena consciência de
que o modelo paritário com voto de qualidade para um único lado é uma baita
vantagem que leva à vitória desse lado sempre que ele queira.
É amplamente notório hoje que os contribuintes não têm ganhado
praticamente nenhum caso na Câmara Superior de Recurso Fiscais do Carf, que
muitos apelidam de “Câmara de Gás”.
Vários desses casos são vencidos por meio do voto de qualidade, que é
necessário num órgão com formação paritária, de numeração par, o que não
acontece em praticamente nenhum órgão colegiado de julgamento administrativo ou
judicial no mundo.
Sendo o número par e o órgão dividido igualmente em uma espécie de
representantes das partes, é natural que os julgamentos terminem frequentemente
empatados. E, se há empate, alguém terá que decidir duas vezes, pois é preciso
dar um resultado à lide.
Havendo voto de qualidade para um dos lados, desequilibra-se demais o
jogo. O problema maior não é nem o fato de o contribuinte terminar perdendo bem
mais casos do que deveria, pois ele ainda tem a chance de acionar o Judiciário,
e esse é exatamente um dos argumentos do Fisco, que não pode fazer o mesmo.
Acontece que o Judiciário é lento, impõe custas, requer depósito
judicial na maioria das vezes, dentre outras complicações. Além disso, o
julgamento do Carf e os fundamentos utilizados influenciam, como é natural, o
Judiciário. Uma das vantagens de aperfeiçoar o Carf é que, provavelmente, o
Judiciário seria desafogado.
Pelo seu desejo enorme de resolver o problema da forma menos custosa, o
contribuinte com moral frouxa termina encontrando um conselheiro do Fisco ou
dos contribuintes com moral frouxa, e vice-versa, e aí vem a corrupção.
Julgam-se no Carf casos que valem muitos milhões e, não raramente,
bilhões de reais. São tipos de lides muito específicas, que podem definir o
sucesso ou o fechamento de uma empresa, enquanto que, do lado do Fisco, um
entendimento repercutindo em cadeia sobre vários casos grandes pode levar a uma
considerável queda de arrecadação. Devido à grande importância financeira, os
incentivos à parcialidade e à corrupção precisam ser mitigados mais do que em
qualquer outro tipo de caso.
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