Agora com a alteração da
redação do Artigo 9º Inciso II do Código Penal Militar, são considerados crimes militares, em tempo de
paz, “os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal,
quando praticados” na forma das alíneas referidas, as quais não foram objeto de
modificação.
Infere-se agora que toda
conduta criminosa que o militar estadual possa vir a cometer em serviço,
atuando em razão da função, ou em local sob a administração militar, com
exceção do crime doloso contra a vida de civil, será o militar estadual
processado e julgado pela justiça militar, independente de ser esta conduta
penalmente tipificada no Código Penal Militar, em lei penal comum ou extravagante.
Ocorre a partir de agora, a
transferência nestes casos da jurisdição da Justiça Comum para a Militar, por
força de competências absolutas em razão da matéria (“ratione materiae” –
crimes militares) e em razão do cargo (“ratione personae” – militares),
trazidas com a nova leitura do Artigo 9º Inciso II do Código Penal Militar.
Nossa Carta Magna define em seu Artigo 144 as funções e atribuições dos órgãos de segurança pública e no § 4º
do referido Artigo temos: Às polícias civis, dirigidas por delegados
de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções
de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares
Portanto, não cabe mais ao
Delegado de Polícia realizar qualquer ato referente à apuração de conduta de
Policial Militar, seja Auto de Prisão em Flagrante, Instauração de Inquérito
Policial e/ou Lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência, quando
praticado nas condições descritas nas alíneas 'a' a 'c' do Inciso II do Artigo 9º do Código Penal Militar. Esta atribuição agora é única e exclusiva da
autoridade de polícia judiciária militar, com a nova definição do que são os
crimes militares.
Data venia, não é válida a
argumentação de alguns autores de que a alteração do Artigo 9º Inciso II do Código Penal Militar não seria válida para os militares estaduais,
pelo fato de que as polícias militares dos Estados realizam policiamento
ostensivo de natureza civil.
Em que pese antes da alteração
do Código Penal Militar, essa tese ser fonte de jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça (STJ - CONFLITO DE COMPETENCIA CC 36434 SP
2002/0102202-0), transferindo para a Justiça Comum a competência para
processar e julgar o policial militar acusado do crime de abuso de autoridade,
por exemplo, praticado em serviço, a alteração da definição de crime militar
com a Lei nº 13491/2017, não fez nenhuma distinção de aplicabilidade entre o
militar da união (Forças Armadas) e os militares estaduais (Policiais e
Bombeiros militares), ou seja, as alterações do Inciso II do Artigo 9º do Código Penal Militar, abrangem também os militares estaduais, como já
explicado.
Vale lembrar que por força
constitucional nenhum órgão de segurança pública elencado no Art. 144 da Carta Magna tem a função de investigar ou exercer o
controle da atividade de outra instituição policial.
As missões previstas na CF para os órgãos
policiais de segurança pública são claras e precisas.
Ademais, mesmo com todo o esforço das polícias
civis, as Delegacias de Polícia em todo país sofrem com a imensa carga de
procedimentos investigatórios não esclarecidos, e agora com a cristalina
atribuição da Polícia Judiciária Militar para a condução da investigação de
todo ato, que em tese, seja crime praticado por policial militar em serviço,
atuando em razão da função ou em local sob a administração militar, resultará
em um menor número de procedimentos nas Delegacias.
Não vale aqui o argumento
arcaico de corporativismo das instituições militares na condução de Inquérito
Policial Militar, pois vale bem frisar, todo Inquérito Policial Militar é
encaminhado ao Ministério Público e este é quem exerce o controle externo da
atividade policial, podendo inclusive requisitar novas diligências e a própria
instauração de Inquérito Policial Militar, por força Constitucional. Art.
128, VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei
complementar mencionada no Artigo anterior, da CF.
Além disso, quem exerce o
julgamento de crimes militares cometidos por militares estaduais contra civis
de forma singular é o Juiz de Direito do juízo militar, aprovado em concurso
público da magistratura, conforme prescrito na CF, Art. 128 § 5º Compete aos juízes de direito do juízo
militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra
civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao
Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar
os demais crimes militares.
Também é de conhecimento jurídico a celeridade e a
eficiência da justiça militar estadual em seus processos, e com certeza com
essa nova sistemática processual quem ganha é a sociedade civil como um todo,
que terá prestação jurisdicional mais ágil e especializada, em todos os casos
que envolvam militares estaduais.
Devemos esperar a consolidação
e aplicação da novel legislação e nos adequar as novas problemáticas que
surgem, como por exemplo: Haverá a possibilidade de Lavratura de Termo
Circunstanciado de Ocorrência (TCO), nos crimes militares impróprios, em que
pese a Lei nº 9099/95, dizer o contrário? Artigo. 90-A. As disposições desta
Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar.
O que é certo é que ainda haverá muita discussão a
respeito do tema com a nova definição do que é “crime militar”, e o que deve
sempre prevalecer nas autoridades policiais são o respeito às leis, as
instituições e ao cidadão.
As instituições policiais devem sempre aperfeiçoar
a prestação do serviço público que oferecem a sociedade: a segurança pública, e
buscar a depuração dos atos de seus agentes quando estes violarem quaisquer
leis ou princípios éticos profissionais, seguindo o que prevê a legislação
vigente.
Texto do Capitão QOPM Frederico Françoso Canola, Polícia
Militar do Estado do Mato Grosso do Sul.
Bacharel em Direito, especialista em ciências
jurídicas pela Universidade Cruzeiro do Sul.