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segunda-feira, 7 de novembro de 2016

QUANDO VEM DE UM OPERADOR DO DIREITO É UM LÁSTIMA - ADVOGADO ?????


“Um advogado pediu que seu cliente fosse julgado por um juiz branco e não por mim”


“Nossa, mas a senhora não tem cara de juíza” é uma frase que a juíza Mylene Pereira Ramos está muito acostumada a ouvir. Para muitos de seus interlocutores, Mylene não tem cara de juíza por uma razão específica: ela é negra.

Publicado por Vinícius Guimarães Mendes Pereira  - Jusbrasil - Nov 2016.

Formada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mylene tem mestrados pela Universidade de Stanford, na Califórnia, e pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde se aprofundou em Direito Internacional do Trabalho.
Juíza do trabalho desde 1994, há alguns anos ela teve de ler um recurso que a deixou ultrajada. O advogado de um skinhead que requeria vínculo trabalhista com uma gravadora musical e teve o pedido negado por ela, ajuizou um recurso em que pedia que seu cliente fosse julgado por um juiz branco. “Foi muito aviltante ler aquilo. Nunca tinha visto uma coisa como aquela”, afirma.
Atualmente, Mylene é diretora do Fórum Trabalhista da Zona Sul e substitui um desembargador no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. A juíza recebeu a reportagem do JOTA em seu gabinete e falou sobre preconceito, falta de diversidade nos tribunais e reforma trabalhista.
Leia a entrevista:
Por que a senhora quis ser uma juíza do trabalho? Quando eu tinha cinco, seis anos de idade, meu pai trabalhava nas obras do metrô aqui de São Paulo. Ele ficava a semana inteira no trabalho, não voltava para casa. Eu via minha mãe brava, falando com ele. Ele não tinha problemas de saúde, mas tomava remédios – para não dormir. Trabalhava dias seguidos sem dormir. Depois de quatro dias seguidos sem dormir, trabalhando 24 horas, ele sofreu um derrame cerebral, aos 36 anos. Nem uma máquina produz desta forma. Ele ficou dois meses entre a vida e a morte, sobreviveu com sequelas e se aposentou por invalidez logo em seguida. Minha mãe trabalhou a vida inteira como empregada doméstica e também se aposentou por invalidez. Quando comecei a pensar em prestar concurso, pensei na Justiça do Trabalho porque imaginei que com minha experiência de vida poderia contribuir – não defendendo os trabalhadores, mas tendo o conhecimento de uma insider, de quem já viu algumas situações por dentro. Quis ser juíza do trabalho porque uma das experiências que mais me marcou na vida, foi ver o meu pai perdendo a saúde dele em função do remédio que ele tomava para não dormir e trabalhar. Sempre que ando de metrô lembro do momento em que um amigo dele chegou em casa para nos dizer que ele estava no hospital entre a vida e a morte.
Há pouca diversidade nos tribunais em geral. Quantos desembargadores são negros aqui no TRT-2? Aqui no TRT-2 temos apenas uma desembargadora negra, a doutora Rilma Hermetério [entre 93 desembargadores], e no primeiro grau conheço apenas outro juiz de primeiro grau que se identifica como negro [entre 415 juízes]. Eu falei sobre essa questão no TEDx São Paulo, sobre a necessidade de haver mais diversidade racial na magistratura. Aqui não tem diversidade racial. E falta diversidade de gênero, de transgêneros ou mesmo em relação à questão de opção sexual nós não vemos juízes se posicionando. A Justiça precisa de diversidade. Cada um de nós é diferente. Somos na essência iguais, mas cada um tem uma experiência diferente de vida. A minha mãe ter sido doméstica me moldou no que sou hoje. Eu não sou como alguém que nasceu nos Jardins ou que o pai é fazendeiro. Eu sou eu, a Mylene, que teve esta determinada experiência de vida. É isso que faz com que o juiz estabeleça determinados critérios de avaliação na vida, crenças e valores. Quando você tem juízes diversos, vai ter pessoas diversas avaliando os casos. Por exemplo, um reclamante diz que era discriminado porque era chamado de “negão” ou que ouvia dos colegas “samba aí”. Mas a testemunha diz: “era brincadeira, a gente pedia para ele sambar porque achava bonito. Meu melhor amigo é preto, não era preconceito”. Um determinado juiz pode se perguntar: “onde está o racismo? Não tem problema nenhum”. Eu, por causa da minha história, vou analisar de outra forma.
A senhora já sofreu preconceito como juíza? Sim.
De que forma? Acho que um dos grandes preconceitos é você não ser reconhecida pelo que você realmente é. Nesta semana, uma advogada veio me entregar memoriais. Eu estava na sala junto com os funcionários. Falei: “sim?”. Ela ficou meio assim e disse: “a senhora que é a juíza? Nossa, a senhora é tão jovem, nem pensei que pudesse ser a juíza. Não tem cara de juíza”. Não tem cara de juíza é uma frase que sempre ouço. Quando a pessoa se assusta e não consegue reconhecer num negro a figura de um juiz, a culpa não é dela; é da sociedade. Isto é um reflexo da falta de diversidade no Judiciário. Minha mãe às vezes vinha ao fórum para me ver atuando. Isso aconteceu pouquíssimas vezes. Mas, nessas pouquíssimas vezes, minha mãe ouviu comentários, como por exemplo: “olha que absurdo: essa mulher é juíza. Há um tempo atrás ela estaria na cozinha da minha casa lavando o chão”. Às vezes acontecem casos muito extremos. Julguei improcedente uma reclamação trabalhista de um skinhead que, de fato, não tinha cabimento algum. Depois de ter sido preso em flagrante por ter agredido um homossexual negro na Avenida Paulista, ele foi desligado do trabalho. O advogado entrou com um recurso dizendo que queria que o processo de seu cliente fosse julgado por um juiz branco, não por mim. Eu estou tendo preconceito porque sou negra? A pessoa de fato escreveu isso, estamos numa sociedade doente.
A senhora tomou alguma medida contra este advogado? Não. Eu faço parte da comissão de igualdade racial da OAB e tenho um ótimo relacionamento com a classe dos Advogados. Sempre opto pelo diálogo e preferi não criar uma polêmica, até porque o questionamento sobre a minha parcialidade em razão da cor da minha pele foi arguida em recurso ordinário, sobre o qual o TRT-2 iria se manifestar. Mas foi muito aviltante ler aquilo. Nunca tinha visto uma coisa como aquela.
E por parte de pares? A senhora também já sofreu preconceito? (silêncio por sete segundos) Pares? Não posso dizer que sofri preconceito, algo que tenha sido na minha frente. Tenho amizade com todos, procuro ser uma pessoa cordial. Estou na Justiça, aqui em São Paulo, desde 1995. Sou juíza desde 1994. As pessoas sabem que sou muito bem preparada, que criei uma teoria sobre assédio processual, que foi reconhecida internacionalmente e também influenciou o Novo Código de Processo Civil como ele é hoje. Então, fica mais difícil você chegar e enfrentar. Mas nós sabemos que muitos critérios são subjetivos. Por exemplo, o critério da meritocracia. A meritocracia dentro do Judiciário tem alguns requisitos básicos – e ser negro não ajuda. Alguns critérios excluem. Se você tem a oportunidade de promover um juiz branco ou um juiz negro, o branco, com sobrenome, com histórico familiar, em geral é o escolhido. Isso vale para a eleição do quinto constitucional também. Na última eleição tinha uma candidata negra que era muito bem preparada – e não foi a primeira vez que ela não foi eleita. Por ser subjetivo, este critério pode excluir os negros e outros integrantes de grupos historicamente discriminados. Faço parte de um grupo de mulheres negras justamente para discutir o empoderamento da mulher negra.
A senhora se considera uma ativista dessa causa? Sim. Agora, a palavra ativismo é meio perigosa. Não sou uma ativista judicial. Precisamos de mais juízes negros não porque os magistrados negros defenderão as partes negras. Precisamos, sim, para ter mais representatividade. Agora, como cidadã, mulher e negra eu sou uma ativista para o empoderamento das mulheres negras e por mais diversidade em geral. Aqui dentro sou uma juíza como qualquer outra. Não olho diferente para ninguém seja de uma cor ou de outra. Sou ativista na minha vida como cidadã.
As cotas raciais funcionam bem na Justiça do Trabalho? Temos um problema estrutural. Por toda uma herança da escravidão, os negros se encontram no patamar mais inferior da pirâmide social. Essa questão toda faz com que a maior parte dos negros não tenha acesso a uma educação de qualidade. O concurso para acesso ao cargo de juiz é muito exigente – e tem que ser exigente mesmo. As cotas, neste caso, não resolvem absolutamente nada porque não faltam e, sim, sobram vagas. Os negros, entretanto, não passam porque não tiveram uma educação de qualidade como os candidatos brancos tiveram. Enquanto as crianças negras e os adolescentes negros não tiverem acesso a uma educação de qualidade, eles não terão condições de passar no concurso da magistratura. E sem uma magistratura diversa na primeira instância também não teremos uma magistratura diversa na segunda. Os negros ficam represados do outro lado da cerca, que divide estes concursos.
No Itamaraty, foi montada uma comissão para avaliar a autodeclaração dos candidatos que se disseram negros. Um critério mais objetivo para as cotas, como o econômico, não seria mais adequado? A cota social com base em rendimentos não atinge o propósito racial. Se você é branco e pobre vai ter mais condições de ascender socialmente e economicamente do que um negro pobre. A cota racial é uma reparação em razão da escravidão. Mães escravas muitas vezes pegavam suas crianças no colo e jogavam no tacho de óleo quente para que seus filhos não passassem pelo que elas passavam nas senzalas. As famílias eram separadas, as pessoas não tinham sequer noção do conceito de família. Temos cicatrizes lá de traz que repercutem aqui hoje com relação à desestruturação familiar. Tem que haver uma reparação. A cota social não resolve isso. Essas comissões para coibirem fraudes são necessárias. Participei de uma sessão numa dessas comissões na esfera municipal, em que candidatas iam com as mãos e rostos maquiados para parecerem negros. Em contrapartida, há casos limiares em que a pessoa não tem o fenótipo de negro, mas a família toda é negra. Não é um caminho fácil. Está se procurando resolver. A lei tem que ser específica. O critério precisa ser objetivo, assim como para obter cidadania estrangeira, como, por exemplo, comprovas uma ascendência negra até segundo grau. As comissões não são diabólicas. São um caminho para se descobrir como navegar nesta política nova.
Os empregadores reclamam muito da Justiça do Trabalho. Existe preconceito contra o empresário por parte dos magistrados? É interessante essa questão. Uma mentira repetida muitas vezes acaba se tornando uma verdade. Para dizer que a Justiça do Trabalho tem preconceito contra a empresa precisaríamos ver as estatísticas. Quantas causas são julgadas totalmente procedentes? Uma minoria. O juiz do trabalho não criou a lei, foi o legislador. É ele quem pode mudar a lei. Nós aplicamos a legislação como ela é. É certo que o empregado é parte menos favorecida nesta relação, então é por isso que a lei destina a ele uma proteção maior. Tem empresas que fecham deliberadamente as portas e não entregam sequer as guias para que o trabalhador possa receber o seguro-desemprego. Vemos isso diariamente. A Justiça do Trabalho aplica a lei para que este país não se torne um grande navio negreiro como já foi.
A Justiça do Trabalho sofre preconceito por parte dos outros operadores do Direito? É muito comum ouvir que a Justiça do Trabalho é uma “justicinha”. É um termo muito comum. A Justiça do Trabalho sofre preconceito, sim, mas é um preconceito que está embutido na sociedade brasileira. É um preconceito contra o negro, contra a mulher, o menos favorecido, o mais pobre e também contra aquela justiça que recebe os trabalhadores. O menos favorecido pode vir aqui, inclusive sem advogado. Daí vem o preconceito.
Qual a sua visão sobre a reforma trabalhista? O direito não é estático porque a sociedade não é estática. O direito regula o que está dentro de uma sociedade e, por isso, precisa caminhar. Agora, de que forma essa reforma vai ser feita? Uma reforma baseada em ilações, de que os empregados não precisam mais de nenhum tipo de proteção porque tem um sindicato forte, entre aspas nós sabemos, num momento como este principalmente, me cheira mais a golpe. Primeiro precisa ser estabelecida uma tranquilidade social para que se possa discutir. Vejo vídeos na internet dizendo que a culpa dessa crise é da Justiça do Trabalho porque julga sempre a favor do trabalhador, sendo que isso não é verdade. Ou então, que os juízes do trabalho poderiam estar num tribunal soviético. Esse tipo de campanha é extremamente perigosa. Uma reforma trabalhista proposta com base em premissas falsas não está pronta para seguir adiante.
E quanto ao negociado acima do legislado? Vai existir um momento em que o negociado poderá prevalecer sobre o legislado. Mas não estamos na hora adequada para isso, seja do ponto de vista político, jurídico ou econômico. Você tem milhões de pessoas desempregadas. Há cidades do interior do estado de São Paulo, em que 70% da população está desempregada, e se você for negociar que eles trabalhem 24 horas por dia, eles vão aceitar. A negociação tem que ser justa. As partes têm que estar em parâmetros iguais. O trabalhador não pode ter seus direitos aviltados. Primeiro, precisamos pensar em como colocar as pessoas num patamar igual para depois poder negociar. E essa terceirização desmedida é liberar a precarização em todas as áreas.
A senhora, então, é contrária à terceirização? A maioria dos acidentes de trabalho, dos casos de discriminação, de precarização, todos estão ligados à terceirização. O Estado mesmo contrata empresas que quebram pouco depois.
Já teve algum caso em que a União foi demandada por trabalhadores de empresas terceirizadas pelo próprio TRT-2? Não vou dizer que não existiu. Sim, existiram e existem casos assim, mas o TRT-2 tem um olho muito mais clínico em cima dessas terceirizações.
Fonte: JOTA

sábado, 5 de novembro de 2016

Dedicação exclusiva de advogado depende de previsão expressa em contrato

Advogado que trabalha oito horas diárias, sem expressa previsão contratual de regime de dedicação exclusiva, tem direito ao pagamento de horas extras. Com esse entendimento, a 2ª turma do TRT da 10ª região manteve a sentença que condenou uma entidade associativa.A decisão foi tomada nos termos do voto da relatora do caso, desembargadora Elke Doris Just. Segundo a magistrada, a jurisprudência do TST firmou-se no sentido de que antes da lei 8.906/94 a mera fixação de jornada de oito horas configurava dedicação exclusiva, mas, após a entrada em vigor dessa legislação essa jornada não basta, por si só, para caracterizar o regime de dedicação exclusiva, sendo necessária a previsão expressa do regime no contrato de trabalho, em face do disposto no Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia sobre esse regime.No caso, o contrato de trabalho juntado aos autos do processo contém a previsão de jornada de 8 as 18 horas, com duas horas de intervalo. Mas, esse contrato foi firmado a título de experiência e para o exercício de função administrativa, não para a função de advogado.“Só por isso já não serviria para incluir o autor na exceção à jornada de quatro horas. Portanto, no presente caso, dos termos do contrato ou da jornada de oito horas não é possível presumir o regime de dedicação exclusiva.”A Lei 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia, estabelece em seu artigo 20 que a jornada de trabalho do advogado empregado, no exercício da profissão, não pode exceder a duração diária de quatro horas contínuas e a de vinte horas semanais.As exceções são válidas em caso de acordo ou convenção coletiva ou, ainda, para contratações em regime de dedicação exclusiva. O artigo 12 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia, ao regulamentar o artigo 20 da Lei 8.906/94, estabeleceu que esse regime só pode ser considerado quando for expressamente previsto em contrato individual de trabalho.

Fonte: TRT da 10ª região



quinta-feira, 3 de novembro de 2016

MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO E REFORMA. INCAPACIDADE PARA O SERVIÇO.

MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO E REFORMA. INCAPACIDADE PARA O SERVIÇO. PERÍCIA MÉDICA ADMINISTRATIVA. CONCLUSÃO DO INQUÉRITO SANITÁRIO DE SAÚDE. CONSULTA. NÃO COMPARECIMENTO POR FALTA DE COMUNICAÇÃO. LICENCIAMENTO. NULIDADE.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Numeração Única: 0033240-24.2005.4.01.3400
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO N. 2005.34.00.033647-3/DF


RELATOR(A) : JUIZ FEDERAL RODRIGO NAVARRO DE OLIVEIRA
APELANTE : UNIAO FEDERAL
PROCURADOR: DF00026645 - MANUEL DE MEDEIROS DANTAS
APELADO : EDMAR PEREIRA SANTANA
ADVOGADO : DF0000855A - JADIR SANTOS FERREIRA
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 6A VARA - DF


EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO E REFORMA. INCAPACIDADE PARA O SERVIÇO. PERÍCIA MÉDICA ADMINISTRATIVA. CONCLUSÃO DO INQUÉRITO SANITÁRIO DE SAÚDE. CONSULTA. NÃO COMPARECIMENTO POR FALTA DE COMUNICAÇÃO. LICENCIAMENTO. NULIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1. O licenciamento ex officio é ato que decorre do poder discricionário da Administração Militar, podendo ocorrer por conclusão de tempo de serviço; conveniência do serviço; e a bem da disciplina, nos termos do art. 121, § 3º, da Lei 6.880/80.
2. A reforma será concedida ex officio se o militar alcançar a idade prevista em lei ou se enquadrar em uma das hipóteses consignadas no art. 106 da Lei n. 6.880, entre as quais, a de que seja julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas (inciso II). 
3. Decorrendo a incapacidade de acidente ocorrido em serviço deve ser concedida a reforma ao militar julgado incapaz para o serviço militar.
4. No caso dos autos foi corretamente determinada a reintegração do ex-militar às fileiras do Exército Brasileiro, a partir da data de seu licenciamento, até que haja conclusão do Inquérito Sanitário de Origem instaurado, com abertura de novo processo administrativo de licenciamento ou reforma, uma vez que há divergência entre os laudos médicos sobre a capacidade do autor para o serviço militar.
5. Honorários advocatícios adequadamente arbitrados em R$ 1.000,00 (mil reais), em conformidade com o artigo 20 § 4º do CPC/1973.
6. Dá-se parcial provimento à apelação e à remessa oficial tão-somente para dispor que a reintegração do autor deve ocorrer desde a data do seu licenciamento. 
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 27 de abril de 2016.


JUIZ FEDERAL RODRIGO NAVARRO DE OLIVEIRA
RELATOR CONVOCADO


RELATÓRIO
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL RODRIGO NAVARRO DE OLIVEIRA (RELATOR CONVOCADO): 
Trata-se de apelação interposta pela União contra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a nulidade do ato de licenciamento ex-officio do autor EDMAR PEREIRA SANTANA, com a sua reintegração ao Exército Brasileiro a partir de 02/03/2004, e pagamento da remuneração do posto que ocupava na ativa.
A inicial relata que o autor prestava serviço militar obrigatório no Batalhão da Guarda Presidencial quando sofreu um acidente que ocasionou lesões em seu joelho esquerdo. Alega que foi dispensado apesar de considerado inválido para o serviço militar, antes do término do tratamento a que estava sendo submetido. Assim, requer o autor a concessão de sua reforma no posto de 3º Sargento, desde a data do licenciamento.
O Juízo a quo julgou parcialmente o pedido entendendo que o laudo médico que motivou o licenciamento encontra-se eivado de ilegalidade, razão pela qual determinou a reintegração do autor às fileiras do Exército até que novo processo administrativo de licenciamento ou reforma seja concluído.
Em seu recurso a União alega que no momento do licenciamento o autor foi considerado apto para o serviço do Exército, não sendo possível que se faça uma nova inspeção de saúde. Aduz que o militar é colocado na situação de adido somente se tiver direito à reforma, nos termos do Decreto 57.654/66, situação incabível para o militar temporário. Sustenta que a sentença transforma o autor em militar de carreira, o que é inadmissível. Assevera não ser cabível a condenação em pagamento de honorários advocatícios, posto que a sucumbência do autor é maior do que a da União.
Foram apresentadas contrarrazões (fls.140/142).
É o relatório.


VOTO
A reforma e o licenciamento são duas formas de exclusão do serviço ativo das Forças Armadas que constam do art. 94 da Lei n. 6.880, de 9 de dezembro de 1980, o Estatuto dos Militares, podendo ambos ocorrer a pedido ou ex officio.
O licenciamento ex officio é ato que se inclui no âmbito do poder discricionário da Administração Militar e pode ocorrer: a) por conclusão de tempo de serviço; b) por conveniência do serviço, e c) a bem da disciplina, nos termos do art. 121, § 3º, da referida lei.
A reforma, por sua vez, será concedida ex officio se o militar alcançar a idade prevista em lei ou se enquadrar em uma das hipóteses consignadas no art. 106 da Lei n. 6.880, entre as quais, a de que seja julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas (inciso II). A incapacidade definitiva pode sobrevir, entre outras causas, de doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço, conforme item IV do mesmo dispositivo.
Em referência ao inciso II do art. 106 da Lei n. 6.880, a reforma será concedida ex officio se o militar for “julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas”, entre as seguintes causas possíveis (art. 108):
III - acidente em serviço; 
IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço;
Em suma, O licenciamento ex officio é ato que se inclui no âmbito do poder discricionário da Administração Militar e pode ocorrer: a) por conclusão de tempo de serviço; b) por conveniência do serviço, e c) a bem da disciplina, nos termos do art. 121, § 3º, da referida lei.
Nesse sentido, a jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça:
Para a concessão da reforma ex officio não se faz necessário que a incapacidade sobrevenha, necessariamente, em conseqüência de acidente ou doença com relação de causa e efeito com o serviço, sendo suficiente para caracterizar o nexo de causalidade que a doença tenha se manifestado durante a prestação do serviço militar, até porque, por força de lei, ao ingressar nas Forças Armadas, submeteu-se o militar a rigoroso exame de aptidão física, onde nada foi constatado, daí a presunção do liame causal entre a moléstia e o serviço militar. Inteligência do artigo 108 do Estatuto dos Militares. (AgRg no REsp 512583 / RS)
A questão central que deve ser analisada diz respeito à capacidade do autor para o serviço do Exército na época de seu licenciamento.
Verifica-se que o licenciamento foi motivado pelo parecer da Junta de Inspeção, de 07/06/2004 (fl.72), que o considerou apto. Ocorre que tal parecer é anterior aos demais que o consideraram incapaz, temporariamente, para o serviço do Exército (fls.13/14), o que demonstra a contradição existente.
Em relação ao fato de não ter comparecido à perícia médica administrativa necessária para a conclusão do Inquérito Sanitário de Saúde, sua ausência é justificada por não ter sido comunicado da data da consulta, conforme comprova o documento de fl. 64. 
Ademais, como bem ressaltou o juiz de primeiro grau, o autor não pode ser “penalizado por eventual desorganização da Administração”, tendo em vista que o hospital onde funciona a Junta de Inspeção de Saúde possui as informações necessárias (endereço e telefone) para comunicar a marcação da consulta com o médico especialista.
Entendo, pois, correta a sentença que determinou a reintegração do autor ao Exército Brasileiro para fins de conclusão do Inquérito Sanitário de Origem por ele instaurado, com a consequente realização de novo processo administrativo de licenciamento ou reforma.
Quanto à data de desligamento, o documento de fl. 93 refere-se ao dia 02/03/2004 e não 22/03/2004. Assim, em razão da divergência existente e a fim de se evitar dúvidas, a reintegração do apelado ao Exército deverá ser efetuada a partir da data de seu efetivo licenciamento.
Os honorários advocatícios foram corretamente fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), de acordo com o art. 20, §4º do CPC.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação e à remessa oficial, apenas para determinar que a reintegração do autor seja a partir da data de seu efetivo licenciamento. 
É como voto.


JUIZ FEDERAL RODRIGO NAVARRO DE OLIVEIRA
RELATOR CONVOCADO

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Herança de companheira e a decisão do STF. Artigo de Zeno Veloso

O engenheiro Damião estava divorciado há quatro anos quando na bela praia do Farol, em Mosqueiro (esquecida, deslembrada pelos paraenses e uma das mais belas do Brasil, com a Ilha dos Amores no seu entorno), conheceu a jovem bancária e estudante de turismo Antonella, de família do baixo-amazonas, cujos antecedentes vieram da Itália. O namoro começou logo e evoluiu para uma relação mais íntima. Passaram a viver juntos, debaixo do mesmo teto, embora Damião se recusasse a casar, apesar da insistência de sua mulher, alegando que não queria ter uma segunda experiência matrimonial, considerando que a primeira havia desmoronado.
Estavam os dois, assim, numa união estável, cumpridos todos os requisitos do art. 1.723 do Código Civil, sendo o regime de bens dessa entidade familiar o da comunhão parcial de bens. Passaram-se cinco anos.
Damião já tinha três apartamentos e era titular de quotas de empresa antes de começar seu envolvimento com a companheira. Durante a existência da convivência, adquiriu o apartamento em que viviam e os dois tinham uma conta conjunta bancária no valor de cem mil reais.
O companheiro veio a falecer, em fevereiro passado, vítima de uma doença cruel e insidiosa, diagnosticada apenas seis meses antes. Não tinha filhos, seus pais já haviam falecido, de forma que, nos termos do art. 1.790 do Código Civil, que regula a sucessão dos que constituem família na modalidade união estável, a companheira sobrevivente só tem direitos hereditários sobre os bens adquiridos onerosamente durante a convivência.
Apareceram, imediatamente, três irmãos do falecido - com os quais, por sinal ele mantinha um relacionamento distante, quase protocolar - e propuseram fazer com Antonella o inventário e partilha extrajudicial da herança, seguindo o que prescreve o aludido art. 1.790 do Código Civil. Em síntese, os irmãos do "de cujus" ficariam com os três apartamentos e com todas as quotas da empresa, bens que ela já tinha antes de se relacionar com Antonella. Por sua vez, quanto ao apartamento que foi comprado durante a convivência, e ao dinheiro que estava no banco, a companheira era titular da metade (como meeira) e a outra metade desses bens (que representa a herança) seria dividida entre ele e os irmãos do falecido, na proporção de uma terça parte para a companheira e duas terças partes para os três irmãos. Realmente, o art. 1.790 é tenebroso!
Desde que o Código Civil foi promulgado, em 2002, tenho declarado, em vários escritos, que esse art. 1.790 do Código Civil representa uma barbaridade. É preconceituoso, injusto, desumano, trata a família constituída informalmente como se fosse de segunda classe, estando fulminado de uma flagrante inconstitucionalidade. Mas está em vigor por todos esses anos, causando injustiças gritantes.
Os irmãos de Damião acertaram com a companheira sobrevivente a elaboração de uma escritura pública de inventário (extrajuducial) em que promoveram a partilha dos bens naquela forma acima mencionada. Antonella ficava com uma parte bem pequena, uma quantidade diminuta dos bens deixados pelo companheiro. Mas, até porque não tinha emprego nem rendas, estava muito ansiosa, carente, precisava pagar algumas dívidas e iria receber dos cunhados uma importância relativa ao dinheiro a que tinha direito, a companheira, no dia 30 de agosto deste ano, uma terça-feira, acompanhada de seu advogado (um primo que resolveu ajudá-la, gratuitamente), compareceu ao cartório para assinar a aludida escritura, realizando a partilha e fechando o inventário dos bens deixados pelo falecido. Mas os outros herdeiros não apareceram e, angustiada, ela telefonou para um deles, que, com insolência e altivez, respondeu: "tivemos um compromisso mais importante e não vamos assinar nada hoje. Pode ir embora. Vamos avisar quando poderemos assinar a escritura".
Na quinta-feira, 1º de setembro, logo de manhã, cedinho, o irmão que havia dado aquela resposta arrogante, com voz doce e simpática, agora, informou que todos estavam resolvidos a assinar a escritura, convidando Antonella para comparecer às 10 horas, no Cartório. A mulher ficou intrigada, mas emocionada com a inesperada gentileza. Então, ligou para o seu primo, advogado, e foi surpreendida com o que ele disse: "Você não assistiu ao"Bom Dia Brasil", hoje? Pois fique sabendo que ontem, quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal começou o julgamento da ação que pretende que o art. 1.790 do Código Civil seja declarado inconstitucional. A decisão foi adiada por um pedido de vistas, mas já sete dos onze ministros anteciparam seus votos pela inconstitucionalidade, o que parece irreversível, e a sucessão dos companheiros, segundo definido, seguirá as regras do art. 1.829 do Código Civil, que disciplina a sucessão dos cônjuges. Isso vai mudar a sua situação de forma radical e para muito melhor".
Quando o irmão do falecido - já ele aflito, nervoso - voltou a telefonar para Antonella, dizendo que estavam todos os três irmãos aguardando por ela no cartório, orientada pelo advogado, respondeu: "Peçam aí um cafezinho para o notário, e esperem sentadinhos, confortáveis, que não vou mais assinar coisa alguma. Aguardo a decisão final da ação que o Supremo está julgando, como devem estar sabendo. A se confirmar o que já disseram sete dos onze Ministros, eu serei a única herdeira de Damião e vocês, parentes colaterais dele, ficarão afastados da herança. E passem bem".

P. S. Meu amigo professor Emílio Nobre passou uma semana em Portugal, ciceroneado pelo procurador e também professor Frederico Oliveira, fazendo contatos com vistas ao curso de doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, uma das mais prestigiadas da Europa. Teve a gentileza de me trazer os livros de Direito de Família e de Direito das Sucessões, enviados por meu amigo e civilista eminentíssimo, ex-diretor daquela Faculdade, Jorge Duarte Pinheiro. Vou dizer no jeito lusitano: obrigadíssimo.
Por Zeno Veloso. Doutor Honoris Causa pela Universidade da Amazônia. Diretor do IBDFAM para a Região Norte. Professor da UFPA e da UNAMA. Tabelião em Belém.