Publicado
por Flávia Teixeira Ortega
Veículo: Jusbrasil
Vamos avaliar a validade dos
atos praticados pela pessoa jurídica com excesso de poderes. De uma maneira
geral, são os administradores que na maioria dos casos praticam os atos pela
sociedade. Todavia, nem sempre esses administradores agem dentro de seus
poderes, surgindo a discussão se, nesse caso, o ato poderá ser imputado à
sociedade ou apenas aos administradores.
Com o Código Civil de 2002, foi
acolhida a teoria “ultra vires”, que afirma que a sociedade não se
vincula se os atos foram evidentemente estranhos ao objeto social. Dessa forma,
de acordo com a interpretação literal do artigo 1.015, III do
Código Civil, qualquer ato
praticado em nome da pessoa jurídica, por seus sócios ou administradores, que
ultrapassasse seus poderes, é nulo. Ao terceiro, caberia apenas mover ação
contra aquele que extrapolou os limites sociais.
Nesses casos, há um conflito entre
o interesse da sociedade e dos terceiros. Há uma corrente que defende que a
sociedade deveria estar vinculada perante terceiros de boa-fé, pelos atos
praticados pelo administrador, proibidos pelo contrato social, ou mesmo
estranhos a este. A sociedade responderia perante terceiros e, posteriormente,
faria um acerto de contas com o administrador que extrapolou seus poderes.
Apenas a má fé do terceiro deveria excluir a responsabilidade da sociedade.
Em contraposição à teoria ultra
vires, temos a teoria da aparência, mais modernamente, com caráter mais
protetivo ao terceiro de boa-fé que contrata com a sociedade.
Nessa linha, o terceiro de
boa-fé que justificadamente desconhecia as limitações do objeto da sociedade e
com esta contrata, tem o direito de exigir o cumprimento do negócio jurídico,
ensejando à sociedade ação regressiva contra quem praticou o ato.
Diante do exposto, para a
teoria ultra vires, o ato praticado fora dos poderes delimitados é nulo
e, ao contrário, na teoria da aparência, o ato é válido e obriga a pessoa
jurídica.
Da interpretação sistemática
dos artigos 47 e 1.015 do Código Civil concluímos
que há liberdade para a prática de todos os atos pertinentes à gestão da
sociedade. O terceiro, todavia, deve ter o cuidado de buscar no órgão
específico os atos constitutivos da sociedade para se certificar da existência
de alguma limitação (inciso I do art. 1.015).
Por outro lado, o inciso II do
art. 1.015 do mesmo Código dá ensejo à aplicação da teoria da aparência
invertendo-se à empresa o ônus da prova da ciência da limitação pelo terceiro.
Além disso, o inciso III do mesmo artigo impõe ao terceiro o ônus da prova da
regularidade do negócio.
Em resumo, concluímos que a
teoria ultra vires veio consagrada pelo Código Civil, mas não é
aplicada de forma absoluta, de acordo com o nosso STJ e o Conselho da Justiça
Federal, que inclusive já criou enunciado nesse sentido como veremos em seguida.
O Enunciado 219, criado na III
Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal determina
que: “Está positivada a Teoria Ultra Vires no Direito brasileiro, com as
seguintes ressalvas: (a) o ato ultra vires não produz efeitos apenas em relação
à sociedade; (b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de seu órgão
deliberativo, ratificá-lo; (c) o Código Civil amenizou o
rigor da Teoria Ultra Vires, admitindo os poderes implícitos dos
administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social,
os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da
sociedade (...)”.
Assim, o STJ e demais
Tribunais brasileiros tem buscado um equilíbrio entre a teoria ultra vires e a
da aparência, levando em consideração a dinâmica das relações, a segurança dos
atos jurídicos e a proteção equilibrada ao terceiro de boa-fé.
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