Fonte:Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 6 de maio de 2017, 7h51
O artigo 217-A do Código Penal diz, expressamente, ser estupro de
vulnerável a prática de sexo ou ato libidinoso com menor de 14 anos, mas
a 6ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que a
idade não basta para a aplicação do dispositivo. Para o colegiado,
também é preciso analisar o contexto dos fatos para se verificar a
vulnerabilidade da menor.
Por isso, manteve o trancamento de uma
ação penal do Ministério Público contra um rapaz de 18 anos, seus pais e
a mãe de sua namorada, uma menina de 12 anos. Nos dois graus de
jurisdição, o entendimento predominante foi de que o convívio do rapaz
com a menor na casa dele, com a ciência e conivência dos pais, está
inserida em uma realidade social em que os jovens têm iniciação sexual
mais precoce.
A denúncia do MP-RS relata que o rapaz praticava
sexo com a garota com o consentimento de seus pais da mãe da menor. Para
a promotoria, a mãe da menina tinha o dever de impedir a convivência da
filha com o namorado. O MP-RS argumentou que a mãe incidiu na conduta
de estupro de vulnerável por omissão de dever legal de cuidado, proteção
e vigilância. A mesma conduta foi reputada aos pais do rapaz, que
acolheram a menina em sua casa, permitindo o convívio dos dois.
O
juízo da comarca de origem considerou atípica a conduta e, em
decorrência, rejeitou a denúncia. Para o julgador, não basta o
enquadramento do fato no dispositivo do Código Penal, sem levar em conta
a evolução da sociedade. É que, hoje, as informações são disseminadas
de forma quase irrestrita e com velocidade acentuada, de modo que os
jovens se desenvolvem intelectual a cognitivamente de forma cada vez
mais precoce.
A decisão citou doutrina do penalista Guilherme de
Souza Nucci: “O legislador brasileiro encontra-se travado na idade de 14
anos, no cenário dos atos sexuais, há décadas. É incapaz de acompanhar a
evolução dos comportamentos na sociedade. Enquanto o Estatuto da
Criança e Adolescente proclama ser adolescente o maior de 12 anos, a
proteção penal ao menor de 14 anos continua rígida. Cremos já devesse
ser tempo de unificar esse entendimento e estender ao maior de 12 anos a
capacidade de consentimento em relação aos atos sexuais.”
Conforme
o juiz, as informações trazidas aos autos permitem relativizar a
vulnerabilidade da vítima, o que leva à atipicidade da conduta narrada
pelo MP-RS. Afinal, a menor disse à polícia que já namorava o indiciado,
consentindo com as relações sexuais. Desde fevereiro de 2016, passou a
morar na casa dos pais dele, sem abrir mão de frequentar a escola. Tudo
com o consentimento da família. Tanto que a mãe da menor visita o casal
com frequência quase diária.
“Em que pese a atuação da vítima e
seu companheiro não retrate a conduta esperada, em tese, por indivíduos
em idade análoga, percebe-se que permanecem resguardados os direitos
da adolescente, até mesmo porque há relatos de que frequenta
regularmente a escola e encontra-se assistida material e afetivamente
pela genitora e pela família do companheiro, que a acolheu em sua
residência. Nesse mesmo norte, não merece a conduta dos genitores do
casal ser caracterizada como omissão, visto que, ao invés de ignorar o
relacionamento, optaram por mantê-los protegidos, dando-lhes orientação e
assistência”, cravou na sentença.
A relatora da apelação-crime no
TJ-RS, desembargadora Vanderlei Teresinha Kubiak, observou que a menor
e o indiciado mantêm um relacionamento afetivo duradouro. Logo, não se
trata de uma situação de abuso sexual, mas de precocidade. Por este
raciocínio, seria uma “hipocrisia” impor pesada pena aos denunciados,
quando há nas novelas, filmes, seriados e programas de televisão todo um
estímulo à sexualidade.
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